quarta-feira, 30 de maio de 2012

Brasil: amendoins e modernismo.

Resolvi escrever.

Andarilhando sobre a produção literária, tomando nota de algumas desavenças públicas e fugindo da universidade. Não, não quero tomar o cargo de ninguém, muito menos me especializar.




    Qualquer pesquisa rápida na nossa enciclogoogle daria conta de dispor a você, leitor, algumas informações preciosas sobre o tema. O que foi, afinal, o Modernismo brasileiro, esse movimento político e cultural, digamos, amalucado e pouco consensual? 

    Visto que muitas pessoas, muito mais importantes do que eu já escreveram sobre o assunto, resolvi adotar um caminho - um modo de pincelar o tema, mais ou menos ilustrativo, copioso e humilde. (Não vou abordar a Semana de Arte Moderna de 1922, as correntes do Rio de Janeiro e São Paulo, mas é interessante que vocês procurem saber do que se trata).
    Segundo Antônio Candido, "A denominação de Modernismo abrange, em nossa literatura, três fatos intimamente ligados: um movimento, uma estética e um período". Assim, discutindo mais ou menos a questão referente à estética, vou me contentar em utilizar alguns textos para elucidar o assunto ou pelo menos, o que alguns intelectuais envolvidos com o movimento do Modernismo questionavam.
    Os textos são de dois grandes nomes do quadro de intelectuais brasileiros, influentes nas diferentes fase do Modernismo: Mario de Andrade (1893-1945) e Carlos Drummond de Andrade (1902-1987), em contraposição a obra de Tomás Antônio Gonzaga (1744-1810), poeta árcade luso-brasileiro cujo trabalho é marcado, sobretudo, pela tradição neoclássica e pelo lirismo. Segundo o nosso mestre, Machado de Assis, "Gonzaga, um dos mais líricos poetas da língua portuguesa, pintava cenas de Arcádia, na frase de Garrett, em vez de dar uma cor local às suas liras, em vez de dar-lhes um cunho puramente nacional".  E por isso mesmo, Tomás, será o saco de pancadas.
   Machado, em 1858, no jornal A marmota, escreve também que "no Estado atual das coisas, a literatura não pode ser perfeitamente um culto, um dogma intelectual, e o literato não pode aspirar a uma existência independente, mas sim tornar-se um homem social, participando dos movimentos da sociedade em que vive e de que depende". E assim mesmo fizeram Mario de Andrade e Carlos Drummond. Foram homens do seu tempo que participaram e produziram ativamente no movimento do qual faziam parte. Com autoridade, Candido afirma que "Mario de Andrade foi sem dúvida o espírito mais vasto do Modernismo".

Agora, que diabos tem a ver, amendoins e modernismo no Brasil? Explico. 

O momento era, para alguns, de subversão, contestação por parte de uma elite cultural e artística. Buscava-se a identidade brasileira. Acreditava-se que era necessário buscar a essência nacional e representá-las na arte, pelo menos para parte desse ensopado Modernismo. Assim, surgem diversos manifestos, obras literárias, plásticas, enfim: a palavra era contestar os padrões estéticos influenciados pela arte estrangeira e sua tradição, buscando uma produção "de fato", nacional. E um desses momentos sublimes da contestação, foi com certeza um texto de Mario de Andrade, intitulado O poeta come amendoins. "Um verdadeiro desafio as convenções".

O poeta come amendoins:

Noites pesadas de cheiros e calores amontoados ...
Foi o Sol que por todo o sítio imenso do Brasil
Andou marcando de moreno os brasileiros.
Estou pensando nos tempos de antes de eu nascer ...
A noite era pra descansar. As gargalhadas brancas dos mulatos ...
Silêncio! O Imperador medita os seus versinhos.
Os Caramurus conspiram na sombra das mangueiras ovais.
Só o murmurejo dos çre'rn-deus-padre irmanava os homens de meu pais ...
Duma feita os canharnboras perceberam que não tinha mais escravos,
Por causa disso muita virgem-do-rosário se perdeu ...
Porém o desastre verdadeiro foi embonecar esta República temporã.
A gente ainda não sabia se governar ...
Progredir, progredimos um tiquinho
Que progresso também é uma fatalidade ...
Será o que Nosso Senhor quiser! ...
Estou com desejos de desastres ...

Com desejos do Amazonas e dos ventos muriçocas
Se encostando na cringerana dos batentes ...
Tenho desejos de violas e solidões sem sentido
Tenho desejos de gemer e de morrer.
Brasil ...
Mastigado na gostosura quente do amendoim ...
Falado numa linpua cururnirn
De palavras inccrtas num remeleixo melado rnelancóliço ...
Saem lentas frescas trituradas pelos meus dentes bons ...
Molham meus beiços que dão beijos alastrados
E depois murmuram sem malícia as rezas bem nascidas ...
Brasil amado não porque seja a minha piiria,
P5tria é acaso de migrações e do pão-nosso onde Deus der ...
Brasil que eu amo porque é o ritmo do meu braço aventuroso,
O gosto dos meus descansos,
O balanço das minhas cantigas amores e danças.
Brasil que eii sou porque é a minha expressão muito engraçada,
Porque é o meu sentimento pachorrenta,
Porque é o meu jeito de ganhar dinheiro, de comer e de dormir.

    Pensem vocês, o que foi os amendoins para uma tradição acostumada com as liras de Tomás Antônio Gonzaga? Outro exemplo claro e brilhantemente engraçado dessa ousadia intelectual, é registrada no conto O peru de natal, do mesmo autor, no qual segue apenas um trecho:

 "Era costume sempre, na família, a ceia de natal. Ceia reles, já se imagina: ceia tipo meu pai, castanhas, figos, passas, depois da Missa do Galo. [...] Foi lembrando disso que arrebentei com uma das minhas “loucuras”:
- Bom, no natal, quero comer peru".

Entram perus e amendoins, temos um questionamento claro ao galantismo romântico e bajulador, um rompimento claro com as escolas artísticas que perdiam espaço para o novo, ou pelo menos que não correspondiam mais ao momento vivido. Como disse Machado, citando Garrett, aqueles "poetas pintando Árcadias", ou seja, falando sobre a Europa, a Grécia Antiga, não tinham mais lugar e tinham que ceder o assento.

Carlos Drummond, no seu trabalho O mundo é Grande, deixa claro a oposição ao trabalhos ligados a uma estética clássica. Responde Maríla de Dirceu, do poeta luso-brasileiro, de forma muito categórica. Como podemos perceber a seguir:

Marília de Dirceu – Tomás Antônio Gonzaga - Lira II

[...]
Porém se os justos Céus, por fins ocultos,
Em tão tirano mal me não socorrem;
Verás então, que os sábios,
Bem como vivem, morrem.
Eu tenho um coração maior que o mundo!
Tu, formosa Marília, bem o sabes:
Um coração..., e basta,
Onde tu mesma cabes.

Carlos Drummond responde, em O mundo é grande:

Não, meu coração não é maior que o mundo.
É muito menor.
Nele não cabem nem as minhas dores.
Por isso gosto tanto de me contar.
Por isso me dispor,
por isso me grito,
por isso freqüento os jornais,
me exponho cruamente nas livrarias:
preciso de todos.
Sim, meu coração é muito pequeno.
Só agora vejo que nele não cabem os homens.
Os homens estão cá fora, estão na rua.
A rua é enorme. 
Maior, muito maior do que eu esperava.
Mas também a rua não cabe todos os homens.
A rua é menor que o mundo.
O mundo é grande.

O que quero dizer com isso tudo? Tentei demonstrar um pouco o que estava em jogo naquele período e o que representou em termos de mudança de estilo e preocupação temática o Modernismo no Brasil. Ressalte-se que este, é um movimento muito mais complexo, vide a ampla bibliografia para demonstrar isto.

E também que amendoins podem ser mais importantes do que você imagina.

Termino satisfeito, citando Candido novamente:

"Portanto, seja tomado como movimento renovador, seja como nova estética, seja como sinônimo de literatura dos últimos quarentas anos, o Modernismo revela no seu ritmo histórico, uma adesão profunda aos problemas da nossa terra e da nossa história contemporânea".


Referências:

CANDIDO, Antonio e CASTELLO, J. Aderaldo. Modernismo. IN: Presença da Literatura Brasileira.  (p. 7-33). Difusão Européia do Livro, São Paulo, 1972.

NETO, Miguel Sanches. Machado de Assis: O ideal do crítico.  José Olympio Editora: Rio de Janeiro, 2008.

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