domingo, 20 de maio de 2012

Graciliano Ramos: por Antônio Candido e João Luiz Lafetá.


Graciliano Ramos, eis o homem. Lá de Quebrangulo, interior de Alagoas, Filho de Sebastião e Maria, brasileiro, interiorano, casou-se duas vezes e teve sete filhos. Com seu próprio punho, com 56 anos escreve, entre outras coisas que usa sapato 41, tem horror às pessoas que falam alto, não gosta de frutas nem de doces, não gosta de vizinhos e é indiferente à música, fuma três maços de cigarro por dia.

Escreveu pela manhã as obras Caétes (1933), São Bernardo (1934), Angústias (1936), Vidas Secas (1938), e outras, valiosas! Viajou. Conheceu a União Soviética, descreveu-a em Viagem (1954). É consagrado renome da literatura brasileira, é indispensável. Melhor do que eu, um coitado, que nunca publicou um livro, para tratar daquele que foi prefeito de Palmeira dos Índios, dois videos importantes. 

Falam um pouco da sua obra, da sua importância, descrevem o autor, situam-o, dão uma aula. Com muita autoridade: o primeiro, de Antonio Candido, senhor que dispensa comentários diante de sua grandeza e seriedade, que nem morreu e já me deixa saudades. Qualquer pessoa com bom senso deve saber quem é Antonio Candido, irresponsável é aquele que não sabe. E na sequência, João Luiz Lafetá, que foi aluno de Candido na USP, com sua palestra intitulada: Um herói negativo. Parece que o aluno aprendeu bem e seguiu as recomendações do mestre. Confiram:







Pra finalizar, um pouco da sensibilidade de Graciliano:
"Um certo fim de tarde, quando ele, lá do seu canto, dá trela ao poeta estreante Jorge Medauar, sentado no outro canto, o romancista Dalcídio Jurandir vai se aproximando. É do Pará, pertence ao Pecebão (o PC ortodoxo) e tem um jeito de camelo, com ligeira corcova. Sem cerimônia, ocupa o espaço vago no centro.
- Mestre Graça, tem um mineiro badalando muito. Um tal de Guimarães Rosa. Já leu?
- Ainda não.
- Imitador de Joyce. Em vez de Saga, pôs Sagarana no título. Quer ser o alquimista da língua.
- Ah, é?
- Li umas páginas. Não é de todo mau - condescende Dalcídio.
Pausa. O romancista paraense volta à carga:
- Mestre Graça, já leu Cyro dos Anjos?
- Não. Quem é?
- Outro mineiro. Escreve parecido com Machado de Assis.
- Nesse caso - pondera Graciliano, descruzando as pernas - eu prefiro o original.
- Apareceu também um tal de Breno Accioly. É contista lá da sua terra, das Alagoas - informa Dalcídio. - Já leu?
- Como se chama o livro?
- João Urso. Tem prefácio de Zé Lins.
- Não sou de prefácios, não gosto de arrodeios - confessa Graciliano. - Pego o cabra e leio sem intermediações.
- Mas já leu o João Urso?
- Só uns dois ou três contos.
- Pois eu não passei do primeiro - diz Dalcídio. - Uma prosa maluca, retórica. Coisa de doido.
Silêncio. Graciliano pigarreia e prepara-se para acender outro cigarro. Como ninguém toma a iniciativa da palavra, Dalcídio Jurandir ergue-se, dobrando os joelhos como fazem os camelos, e despede-se. Tem assuntos a tratar na ABI.
- Medauar - pede o velho Graça quando o vulto desaparece na porta -, vá atrás daquele safado e descubra se está falando mal de mim.
Mais ou menos nessa época, o velho regressa de uma viagem à URSS. Em Moscou, obrigaram-no a catar no chão do metrô a ponta de cigarro que ele havia atirado fora. O metrô moscovita era um espelho, brilhava. "Nós não o fizemos e limpamos para que os senhores do mundo capitalista venham sujá-lo com baganas", dissera-lhe, em tom acrimonioso, o guia.
A ida à URSS resulta num livro de impressões intitulado Viagem e que começa com uma demonstração de aborrecimento do velho Graça: ele não se sente bem na "encrenca voadora". É como chama o avião. Fumando seu cigarro no marquesão da José Olympio, vê uma senhora tremelicante de banhas e de jóias aproximar-se, toda sorridente, com um exemplar do livro para o indefectível autógrafo.
- Mestre Graciliano, assine aqui. O senhor voltou assumido da União Soviética?
- Assumido como, minha senhora?
- Ora, assumido. Assim como o André Gide.
É demais. O romancista estoura:
- Como, minha senhora? Veado?".

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