sábado, 17 de novembro de 2012

Cachaça e surrealismo: a morte aos olhos de Glauber.




"NINGUÉM
ASSISTIU
AO 
FORMIDÁVEL ENTERRO
DE SUA QUIMERA,
SOMENTE
A
INGRATIDÃO
ESSA PANTERA,FOI SUA COMPANHEIRA
     INSEPARÁVEL".




Di Cavalcanti, Samba - 1925.



 "Filmar meu amigo Di morto é um
ato de humor modernista-surrealista". G. R.

FICHA TÉCNICA
 
Não-ficção, curta-metragem, 35mm, colorido, 480 metros, 18 minutos. Rio de Janeiro, 1977. Companhia produtora: Embrafilme; Distribuição: Embrafilme; 1a exibição: 11 de março de 1977, Cinemateca do MAM, Rio de Janeiro






Lançamento: 11 de junho de 1979, Rio de Janeiro (Roma-Bruni, Rio Sul, Bruni-Copacabana, Bruni-Tijuca); Diretor de produção: Ricardo Moreira; Diretor: Glauber Rocha; Assistente de direção: Ricardo (Pudim) Moreira; Fotógrafos: Mário Carneiro, Nonato Estrela; Montador: Roberto Pires; Música: Pixinguinha (Lamento), Villa-Lobos (trecho de Floresta do Amazonas), Paulinho da Viola, Lamartine Babo (O Teu Cabelo Não Nega), Jorge Ben; Locações: Museu de Arte Moderna, Cemitério São João Batista (Rio de Janeiro); Prêmio: Prêmio Especial do Júri - Festival de Cannes/1977; Outros títulos: Ninguém assistiu ao formidável enterro de sua última quimera; somente a ingratidão, essa pantera, foi sua companheira inseparável; Di-Glauber; Di Cavalcanti, Di ( das) Mortes. Locutor: Glauber Rocha; Textos: Vinícius de Morais (Balada do Di Cavalcanti), Augusto dos Anjos (trecho de Versos Íntimos), Frederico de Moraes (trecho de artigo sobre Di Cavalcanti), Edison Brenner (anúncio da morte de Di);Elenco: Joel Barcelos, Marina Montini, Antonio Pitanga.
Obs: A exibição do filme está interditada pela justiça desde 1979, quando da conceção de liminar pela 7ª Vara Cível, ao mandado de segurança impetrado pela filha adotiva do pintor, Elizabeth Di Cavalcanti.
 
COMENTÁRIO
"A morte é um tema festivo pros mexicanos, e qualquer protestante essencialista como eu não a considera tragedya. Em "Terra em Transe" o poeta Paulo Martins recitava que convivemos com a morte...etc... dentro dela a carne se devora - e o cangaceiro Corisco, em Deus e o Diabo na Terra do Sol, morre profetizando a ressurreição do sertão no mar que vira sertão que vira mar...
Matei muitos personagens? Eles morreram por conta própria, engendrados e sacrificados por suas próprias contradições: cada massacre dialético que enceno e monto se autodefine na síntese fílmica, e do expurgo sobram as metáforas vitais.
As armas de fogo, facas e lanças são os objetos mortais usados por meus personagens, mas a rainha Soledad bebe simbolicamente veneno no final de "Cabeças Cortadas" e os mercenários de O Leão de Sete Cabeças são enforcados. Em "Câncer", Antônio Pitanga estrangula Hugo Carvana, assim como Carvana se suicida em Terra em Transe. Em Claro foi usado um canhão para matar um mercenário no Vietnam e dois personagens morrem afogados em "Barravento", além das multidões incalculáveis massacradas por Sebastião, Corisco, Diaz, etc.
Filmar meu amigo Di morto é um ato de humor modernista-surrealista que se permite entre artistas renascentes: Fênix/Di nunca morreu. No caso o filme é uma celebração que liberta o morto de sua hipócrita-trágica condição. A Festa, o Quarup - a ressurreição que transcende a burocracia do cemitério. Por que enterrar as pessoas com lágrimas e flores comerciais? Meu filme, cujo título, dado por Alex Viany, é Di-Glauber, expõe duas fases do ritual: o velório no Museu de Arte Moderna e o sepultamento no Cemitério São João Batista. É assim que sepultamos nossos mortos.
Chocado pela tristeza de um ato que deveria ser festivo em todos os casos (e sobretudo no caso de um gênio popular como Emiliano di Cavalcanti) projetei o Ritual Alternativo; Meu Funeral Poético, como Di gostaria que fosse, lui.... o símbolo da Vida...
No campo metafórico transpsicanalítico materializo a vitória de São Jorge sobre o Dragão. E, no caso de uma produção independente, por falta de tempo e dinheiro, e dada a urgência do trabalho, eu interpreto São Jorge (desdobrado em Joel Barcelos e Antônio Pitanga) e Di-O Dragão. Mas curiosamente Eu Sou Orfeu Negro (Pitanga) e Marina Montini, dublemente Eurídice (musa de Di), é a Morte. Meus flash-backs são meu espelho e o espelho ocupa a segunda parte do filme, inspirado pelo Reflexos do Baile, de Antônio Callado, e Mayra, de Darcy Ribeiro. Celebrando Di recupero o seu cadáver, e o filme, que não é didático, contribui para perpetuar a mensagem do Grande Pintor e do Grande Pajé Tupan Ará, Babaraúna Ponta-de-Lança Africano, Glória da Raça Brazyleira! A descoberta poética do final do século será a materialização da Eternidade."

Di (Das) Mortes, GlauberRocha, texto mimeografado, distribuído na sessão do filme em 11 de março de 1977 na Cinemateca do MAM.


Fonte: http://www.tempoglauber.com.br/f_di.html

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