Boa
notícia para os historiadores! Pelo menos, segundo as informações do
historiador e atual presidente da biblioteca de Harvard, Robert Darnton, em
entrevista cedida ao programa Roda Viva
neste último dia 24 de Setembro, em abril de 2013 teremos novidades. Trata-se
do projeto da Biblioteca Pública Digital dos Estados Unidos. A respeito do
acervo, só Harvard irá disponibilizar 17 milhões de obras, sem contar as outras
importantes bibliotecas do país que estão envolvidas. Entre vários
dados apresentados na entrevista, o que mais chamou atenção, foi o investimento
atual de Harvard em aquisições de livros anualmente: nada mais, nada menos, que
40 milhões de dólares por ano. Certamente, isso significa um pouco mais em termos de
obras do que os 40 mil livros comprados na última gestão pela biblioteca
universitária da UFSC[1].
(mas vamos lá, não podemos ser tão cruéis, ainda que às vezes seja nosso
dever).
Ainda
sobre o projeto, Robert também anunciou a possível parceria entre a europeana,
[2]
importante acervo digital que reúne documentos de diversos países europeus. Foi
citado, por um dos entrevistadores, a já avançada mobilização argentina em
relação à digitalização de seus acervos e disponibilização on-line, o que levou Darnton ressaltar a importância de um futuro projeto que envolva o transatlântico.
Ou seja, envolvendo também outros países, incluindo o Brasil.
Dentre
as grandes contradições apresentadas durante a entrevista, destaque para a
questão do investimento realizado para o processo de digitalização dos acervos
das bibliotecas nos Estados Unidos. Infelizmente, nas palavras do
próprio entrevistado, o governo por lá não é responsável pelo apoio ao
ambicioso projeto que terá lançamento em 2013. Segundo o
professor, os grandes responsáveis pelo financiamento são fundações privadas, financiadas,
sobretudo, por grandes corporações com interesses em isenção de impostos. Robert
defendeu que essas fundações, possuem autonomia e são responsáveis por grande parte
de projetos que investem na esfera pública atualmente. É um pouco óbvio que as
coisas devem ser relativizadas para evitar a manifestação apressada dos
neoliberais de plantão. Esse jogo certamente possui alguns limites e essa
relação deve ter muitas conseqüências, não necessariamente, positivas. Apesar
de que em relação ao trabalho de digitalização dos acervos norte-americanos, é
fato que isso tem se dado pela esfera privada. Não é demais dizer que os acervos são públicos, inclusive, uma das grandes bibliotecas integrante do projeto é a Biblioteca Nacional de Washignton. Contradições a parte...
Em
relação aos acervos digitais, foi colocado em discussão também o futuro destes
acervos no meio virtual. Afinal, é extremamente necessário que pessoas envolvidas
no ramo de sistemas de informação e ciências tecnológicas, busquem aprimorar
sistemas de defesa aos bancos de dados, uma vez que nada impede que eles sejam
removidos em questão de segundos em um eventual ataque. Portanto, deve haver um
desenvolvimento paralelo ao avanço deste tipo de acervo, preocupado em
preservar os documentos que estão na rede
Por
outro lado, quem irá financiar a preservação e manutenção desses acervos? Sendo
que, como bem apontou Lilia Schwarcz durante o programa, nem a preservação dos
nossos arquivos públicos tem recebido atenção do Estado ou de outras
instituições. O professor, provocado em relação ao assunto, de forma reticente,
apontou que o país deve aproveitar o seu contexto econômico, relativamente bom no
cenário mundial, para pressionar as autoridades a discutir o assunto. Isso
serve como alerta aos pesquisadores e educadores envolvidos com a área para pensar
o tem sido feito neste sentido. (Principalmente em termos de políticas públicas
e organização de instituições representativas como a ANPUH). E não precisa ir
muito longe para relacionar algumas fontes de investimentos. De forma muito
rápida podemos citar atualmente as contrapartidas garantidas por lei, de
grandes projetos envolvendo energia (hidrelétricas), o pré-sal e aí por diante.
Darnton também enfatizou a necessidade de implementar bolsas de pesquisa para
novos pesquisadores, além da necessidade de apresentar a este público, os
acervos disponíveis, o que pode criar a intimidade entre acervo-pesquisador, aproximar
novas pessoas com o mundo da pesquisa em acervos públicos, especificamente
naqueles que ainda não estão digitalizados.
Esta
questão gera outras polêmicas atualmente entre os historiadores. Alguns
defendem esta relação "antiga", entre acervos e pesquisador. Outros a vêem como algo dispensável. Fato é que pesquisas precisam ser realizadas e levando em conta o
cenário que temos (pelo menos no que conheço do Estado de Santa Catarina é
lastimável), tenho impressão que não podemos contar apenas com os documentos digitais. Lembro-me,
por exemplo, de um caso intrigante que aconteceu recentemente no planalto
catarinense. Em visita ao museu Thiago de Castro, me informaram que por
iniciativa própria, um advogado aposentado estava digitalizando documentos do
acervo local. Bom, se dependermos deste tipo de atitude para oxigenar as
pesquisas desenvolvidas nas nossas universidades, estaremos prontos a ficar com
os velhos manuais e dispostos a fazer muito malabarismos para criar novos
trabalhos – lembre-se ainda, de trabalhos que mal saem para além dos muros da universidade.
Esta
edição do programa Roda Viva acabou sendo uma excelente forma de lembrar a nós
historiadores, algumas questões centrais em relação à pesquisa. Não só em
termos de financiamento, mas também a que estamos dispostos e quais os motivos
a continuar em busca de fontes, pesquisas e em busca de mais trabalho. Robert
Darnton tratou sobre uma questão que nos é fundamental – a preservação de
acervos e o contexto de digitalização em que vivemos. Declarou sua paixão aos velhos
moldes de pesquisa – que não são evidentemente os únicos, mas que certamente proporcionaram muitas pesquisas que influenciaram e ainda influenciam nosso pensamento e que nos proporcionaram um olhar
crítico, e, portanto, que nos permite agora julgar se as idas aos arquivos ainda são convenientes. O debate nos lembra também que vivemos em uma sociedade
extremamente contraditória, e dentro deste jogo, devemos ocupar nosso lugar,
defender questões que são centrais para preservar nossos interesses enquanto pesquisadores, principalmente ligados a preservação do ofício do historiador, a manutenção dos
acervos, a intensa e infinita reflexão sobre as condições da pesquisa no mundo contemporâneo
e a paixão que nos move e nos faz “ganhar” horas e horas em torno de documentos
em busca de novas questões.
Ao final,
Darnton ainda fez elogio à historiografia brasileira, em especial as pesquisas
em torno da escravidão, aproveitou a presença de Lilia Schwarcz para o elogio e
falou brevemente sobre o seu último trabalho que está em fase de elaboração –
uma pesquisa em torno da censura, sua pergunta consiste em entender como
funciona a censura em diferentes contextos e seu modo de funcionamento. A
parte e como brinde, outra lição ao estudante que procura fazer um bom trabalho. Falta dizer,
que também foi discutida a importância dos jornais para a pesquisa em História
e as devidas precauções que o historiador deve tomar – “não tomá-los como
janela do mundo”, citou também a curiosa existência de uma polícia censora na França
no contexto da revolução francesa que buscavam examinar obras literárias, entre outras.
Enfim,
uma excelente oportunidade para debater questões atuais, importantes e férteis.
Para além das linhas de pesquisa e escolas de formação, o debate deve ser
realizado. Afinal, vivemos isto e não teremos como fugir. Não será em nosso
gabinete, o nosso bunker intelectual, que garantirá a preservação dos documentos.
Novas formas de se comunicar estão surgindo, novas relações entre
fontes-pesquisador, e isto pode representar algo novo. Para melhor? Dependerá evidentemente
dos interessados.
Robert Darnton é historiador,
tido como um dos principais intelectuais da história cultural. Tem trabalhos
principalmente sobre a França do séc. XVIII. Tem livros traduzidos no Brasil
como O Diabo na água Benta – ou a arte da
calúnia e da difamação de Luiz XIV a Napoleão, lançado pela Companhia das
Letras, O grande massacre dos gatos e
outros episódios da história cultural francesa, pela Graal, A questão dos livros – passado, presente e
futuro, também pela Cia. Das letras. O
beijo de Lamourette – mídia, cultura e revolução, além de outros.
Para melhor compreensão do
debate, por favor, assistam a entrevista realizada pelo programa Roda Viva em
24 de Setembro de 2012. É importante ressaltar que esse texto é um ponto de
vista parcial e altamente comprometido.
Leia mais em:
http://noticias.universia.com.br/destaque/noticia/2012/08/06/956327/as-11-bibliotecas-mais-incriveis-do-mundo.html
[1] http://portal.reitoria.ufsc.br/files/2011/09/SeculoXXI_terceiro-ano-de-gestao.pdf
[2] http://www.europeana.eu/portal/ o
site conta com opção de navegação em diversas línguas, incluindo o português.
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