segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Notas sobre a entrevista com Robert Darnton promovida pelo programa Roda Viva.



 









 Boa notícia para os historiadores! Pelo menos, segundo as informações do historiador e atual presidente da biblioteca de Harvard, Robert Darnton, em entrevista cedida ao programa Roda Viva neste último dia 24 de Setembro, em abril de 2013 teremos novidades. Trata-se do projeto da Biblioteca Pública Digital dos Estados Unidos. A respeito do acervo, só Harvard irá disponibilizar 17 milhões de obras, sem contar as outras importantes bibliotecas do país que estão envolvidas. Entre vários dados apresentados na entrevista, o que mais chamou atenção, foi o investimento atual de Harvard em aquisições de livros anualmente: nada mais, nada menos, que 40 milhões de dólares por ano. Certamente, isso significa um pouco mais em termos de obras do que os 40 mil livros comprados na última gestão pela biblioteca universitária da UFSC[1]. (mas vamos lá, não podemos ser tão cruéis, ainda que às vezes seja nosso dever).


Ainda sobre o projeto, Robert também anunciou a possível parceria entre a europeana, [2] importante acervo digital que reúne documentos de diversos países europeus. Foi citado, por um dos entrevistadores, a já avançada mobilização argentina em relação à digitalização de seus acervos e disponibilização on-line, o que levou Darnton ressaltar a importância de um futuro projeto que envolva o transatlântico. Ou seja, envolvendo também outros países, incluindo o Brasil.
            Dentre as grandes contradições apresentadas durante a entrevista, destaque para a questão do investimento realizado para o processo de digitalização dos acervos das bibliotecas nos Estados Unidos.  Infelizmente, nas palavras do próprio entrevistado, o governo por lá não é responsável pelo apoio ao ambicioso projeto que terá lançamento em 2013. Segundo o professor, os grandes responsáveis pelo financiamento são fundações privadas, financiadas, sobretudo, por grandes corporações com interesses em isenção de impostos. Robert defendeu que essas fundações, possuem autonomia e são responsáveis por grande parte de projetos que investem na esfera pública atualmente. É um pouco óbvio que as coisas devem ser relativizadas para evitar a manifestação apressada dos neoliberais de plantão. Esse jogo certamente possui alguns limites e essa relação deve ter muitas conseqüências, não necessariamente, positivas. Apesar de que em relação ao trabalho de digitalização dos acervos norte-americanos, é fato que isso tem se dado pela esfera privada. Não é demais dizer que os acervos são públicos, inclusive, uma das grandes bibliotecas integrante do projeto é a Biblioteca Nacional de Washignton. Contradições a parte...
            Em relação aos acervos digitais, foi colocado em discussão também o futuro destes acervos no meio virtual. Afinal, é extremamente necessário que pessoas envolvidas no ramo de sistemas de informação e ciências tecnológicas, busquem aprimorar sistemas de defesa aos bancos de dados, uma vez que nada impede que eles sejam removidos em questão de segundos em um eventual ataque. Portanto, deve haver um desenvolvimento paralelo ao avanço deste tipo de acervo, preocupado em preservar os documentos que estão na rede
            Por outro lado, quem irá financiar a preservação e manutenção desses acervos? Sendo que, como bem apontou Lilia Schwarcz durante o programa, nem a preservação dos nossos arquivos públicos tem recebido atenção do Estado ou de outras instituições. O professor, provocado em relação ao assunto, de forma reticente, apontou que o país deve aproveitar o seu contexto econômico, relativamente bom no cenário mundial, para pressionar as autoridades a discutir o assunto. Isso serve como alerta aos pesquisadores e educadores envolvidos com a área para pensar o tem sido feito neste sentido. (Principalmente em termos de políticas públicas e organização de instituições representativas como a ANPUH). E não precisa ir muito longe para relacionar algumas fontes de investimentos. De forma muito rápida podemos citar atualmente as contrapartidas garantidas por lei, de grandes projetos envolvendo energia (hidrelétricas), o pré-sal e aí por diante. Darnton também enfatizou a necessidade de implementar bolsas de pesquisa para novos pesquisadores, além da necessidade de apresentar a este público, os acervos disponíveis, o que pode criar a intimidade entre acervo-pesquisador, aproximar novas pessoas com o mundo da pesquisa em acervos públicos, especificamente naqueles que ainda não estão digitalizados.
            Esta questão gera outras polêmicas atualmente entre os historiadores. Alguns defendem esta relação "antiga", entre acervos e pesquisador. Outros a vêem como algo dispensável. Fato é que pesquisas precisam ser realizadas e levando em conta o cenário que temos (pelo menos no que conheço do Estado de Santa Catarina é lastimável), tenho impressão que não podemos contar apenas com os documentos digitais. Lembro-me, por exemplo, de um caso intrigante que aconteceu recentemente no planalto catarinense. Em visita ao museu Thiago de Castro, me informaram que por iniciativa própria, um advogado aposentado estava digitalizando documentos do acervo local. Bom, se dependermos deste tipo de atitude para oxigenar as pesquisas desenvolvidas nas nossas universidades, estaremos prontos a ficar com os velhos manuais e dispostos a fazer muito malabarismos para criar novos trabalhos – lembre-se ainda, de trabalhos que mal saem para além dos muros da universidade.
            Esta edição do programa Roda Viva acabou sendo uma excelente forma de lembrar a nós historiadores, algumas questões centrais em relação à pesquisa. Não só em termos de financiamento, mas também a que estamos dispostos e quais os motivos a continuar em busca de fontes, pesquisas e em busca de mais trabalho. Robert Darnton tratou sobre uma questão que nos é fundamental – a preservação de acervos e o contexto de digitalização em que vivemos. Declarou sua paixão aos velhos moldes de pesquisa – que não são evidentemente os únicos, mas que certamente proporcionaram muitas pesquisas que influenciaram e ainda influenciam nosso pensamento e que nos proporcionaram um olhar crítico, e, portanto, que nos permite agora julgar se as idas aos arquivos ainda são convenientes. O debate nos lembra também que vivemos em uma sociedade extremamente contraditória, e dentro deste jogo, devemos ocupar nosso lugar, defender questões que são centrais para preservar nossos interesses enquanto pesquisadores, principalmente ligados a preservação do ofício do historiador, a manutenção dos acervos, a intensa e infinita reflexão sobre as condições da pesquisa no mundo contemporâneo e a paixão que nos move e nos faz “ganhar” horas e horas em torno de documentos em busca de novas questões.         
Ao final, Darnton ainda fez elogio à historiografia brasileira, em especial as pesquisas em torno da escravidão, aproveitou a presença de Lilia Schwarcz para o elogio e falou brevemente sobre o seu último trabalho que está em fase de elaboração – uma pesquisa em torno da censura, sua pergunta consiste em entender como funciona a censura em diferentes contextos e seu modo de funcionamento. A parte e como brinde, outra lição ao estudante que procura fazer um bom trabalho. Falta dizer, que também foi discutida a importância dos jornais para a pesquisa em História e as devidas precauções que o historiador deve tomar – “não tomá-los como janela do mundo”, citou também a curiosa existência de uma polícia censora na França no contexto da revolução francesa que buscavam examinar obras literárias, entre outras.
            Enfim, uma excelente oportunidade para debater questões atuais, importantes e férteis. Para além das linhas de pesquisa e escolas de formação, o debate deve ser realizado. Afinal, vivemos isto e não teremos como fugir. Não será em nosso gabinete, o nosso bunker intelectual, que garantirá a preservação dos documentos. Novas formas de se comunicar estão surgindo, novas relações entre fontes-pesquisador, e isto pode representar algo novo. Para melhor? Dependerá evidentemente dos interessados.

Robert Darnton é historiador, tido como um dos principais intelectuais da história cultural. Tem trabalhos principalmente sobre a França do séc. XVIII. Tem livros traduzidos no Brasil como O Diabo na água Benta – ou a arte da calúnia e da difamação de Luiz XIV a Napoleão, lançado pela Companhia das Letras, O grande massacre dos gatos e outros episódios da história cultural francesa, pela Graal, A questão dos livros – passado, presente e futuro, também pela Cia. Das letras. O beijo de Lamourette – mídia, cultura e revolução, além de outros.

Para melhor compreensão do debate, por favor, assistam a entrevista realizada pelo programa Roda Viva em 24 de Setembro de 2012. É importante ressaltar que esse texto é um ponto de vista parcial e altamente comprometido.



 
Leia mais em:

http://noticias.universia.com.br/destaque/noticia/2012/08/06/956327/as-11-bibliotecas-mais-incriveis-do-mundo.html





[1] http://portal.reitoria.ufsc.br/files/2011/09/SeculoXXI_terceiro-ano-de-gestao.pdf
[2] http://www.europeana.eu/portal/ o site conta com opção de navegação em diversas línguas, incluindo o português.

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